Robert Smith (Geração 2098)
Acordou cedo, sem precisar do despertador. Levantou-se e foi directo à banheira. A água, quente, acalmou-lhe o nervosismo, mas os olhos ardiam de cansaço. Pouco dormira nessa noite, se é que dormira de todo. Depois de um fim de tarde marcado pelo seu regresso ao comando, a noite fora um misto de excitação e ansiedade pelo dia seguinte. Vestiu-se, tomou o pequeno-almoço, lavou os dentes, e encaminhou-se por fim para o gabinete de Capitão. Pontual como sempre, Lukas já tinha tomado o seu lugar na secretária. Robert fez questão de, desde logo, quebrar o gelo com um cumprimento caloroso. Queria esquecer o ódio que sentira por Lukas, para voltar a si próprio.
Com as formalidades rapidamente ultrapassadas, não tardou até se embrenharem no trabalho. Lukas actualizou Robert exaustivamente sobre tudo o que passara na sua ‘ausência’. Da última vez que haviam falado, Becker deixara de fora alguns assuntos, por recomendação do Doutor Herrera. Desta vez, Robert soube de tudo. As conclusões da investigação da sua tentativa de assassinato foram contadas ao pormenor. Não que houvesse muito para contar, na verdade… Tudo eram suposições, à excepção de uma moeda. Uma estranha e irreconhecível moeda negra fora encontrada no exterior das instalações da ALT3RER, no local de onde presumivelmente tinha sido disparado o tiro que atingira Robert. A moeda era a única pista palpável que tinham sobre o assassinato, e sobre ela nada tinha sido descoberto pelos peritos locais. Como tal, Lukas e Robert decidiram enviá-la para o Quartel-General da ALT3RER, na Cidade-Um, onde poderia ser realmente analisada pelos mais qualificados peritos.
Por muito que lhe custasse ouvir falar do seu “assassinato”, Robert enterrou o assunto para lidar com os mais prementes assuntos relacionados com a sua missão. Muito se tinha passado na cidade desde a chegada da ALT3RER. Aparentemente, os problemas da missão de Robert estavam a resolver-se sozinhos… A Máfia Brás, uma das mais organizadas e camufladas organizações criminosas da cidade, tinha sido decapitada sem intervenção da ALT3RER. Já a famosa casa de alterne Fanecas, fonte de rendimento da Família Fanecas, tinha aparentemente sido vendida a Mário Rato. Com isto, as três maiores organizações criminosas da cidade pareceram reduzir-se a uma. Mário Rato era agora o inimigo-público número um. Por esta razão, grande parte das forças da ALT3RER foram mobilizadas para a investigação dos Rato. Para além do contingente responsável pelos Rato, foram mantidas equipas de combate ao pequeno-crime e equipas de defesa do Quartel-General. Os erros cometidos não se irão repetir… Uma outra equipa foi também formada. Uma série de violentos assassinatos parecia arrastar-se, sem que as autoridades lhe pusessem termo. Por isso, outra equipa de Agentes foi criada para investigar aquele a quem a imprensa chamava de “Assassino Transparente”.
Longas foram as horas passadas no gabinete com o seu recém-nomeado vice, Lukas Becker. Quando o trabalho cessou e a noite caiu, o cansaço chegou e o Capitão passou a Robert, com o seu lado fraco e humano de volta para o assombrar. Já deitado, dava voltas e voltas na cama enquanto o cérebro o assolava com pensamento atrás de pensamento. A insegurança voltou. O medo voltou. A descrença voltou… E, pela primeira vez, Robert temeu não só pela missão, mas por si. Olhou as cicatrizes que o marcavam, e pensou em cada uma delas. Lembrou-se do dia em que partiu a perna, caído de uma bicicleta que não sabia dominar. Lembrou-se de quando queimou o peito, disputando estupidamente uma chávena de leite quente com um colega de infantário. E lembrou-se do dia em que perdeu o mindinho esquerdo… Era então um jovem rapaz, ainda no seu 2º dia de treino de tiro, e um acidente privou-o do mais pequeno dos seus dedos. Nesse dia, muitos disseram que nunca seria um atirador, tendo apenas 9 dedos nas mãos. O seu professor, no entanto, sussurrou-lhe palavras que jamais esqueceria: «Deixa-os rir, esses tolos. Deixa-os rir, e lembra-te sempre: não há homem mais perigoso que o homem subestimado… E vê se encaras este acidente não como uma fatalidade, mas como uma lição. O sucesso dá-nos a vontade de avançar; mas só o erro nos dá a sabedoria para o fazer…». E foi nesse dia que deixou de ser apenas mais um, e se tornou no número um. Tivesse eu hoje o mindinho, e não seria o melhor atirador jamais formado na Academia da ALT3RER. Tivesse eu hoje o mindinho, e não seria Capitão… Tivesse hoje eu mindinho, e não seria quem sou. Por fim, olhou a cicatriz que lhe faltava vislumbrar. Era a mais recente e a mais dolorosa. Era, de todas, a única que lhe tinha posto a vida em risco – toda aquela vida que, durante 15 anos de trabalho árduo, andou a construir. Ainda mais ferida que cicatriz, esta marca no ombro lembrava Robert da sua própria fragilidade. Da sua própria pequenez… A morte estivera a dois passos, sem que sequer tivesse dado por isso. Até que a bala lhe perfurasse o ombro, foi inocente. Julgava-se forte o suficiente para não temer por si. Essa inocência, no entanto, estava no passado. E para o seu lugar, veio a desconfiança. E o medo. E a impotência… Se nem a minha vida sei proteger, como protegerei toda a minha equipa de uma cidade imunda e corrompida como esta? E as memórias voltavam, uma e outra vez, para lhe assombrar o sono. Num momento estava tudo normal, no segundo seguinte tinha a vida por um fio… Que posso eu fazer para me proteger? E para proteger os meus?… Que posso eu fazer para me proteger de um perigo que não sei que existe? Nada… Não há nada que me proteja do desconhecido… Nada. Ainda assustado com os seus pensamentos sombrios, enroscou-se um pouco mais nos lençóis, como se o protegessem. Foi então que bateram à porta, com força. De um pulo, Robert Smith levantou-se e pegou na arma que tinha pousada na mesinha de cabeceira.
Tudo na sua vida mudou quando a porta se abriu…
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