quinta-feira, janeiro 03, 2013

‘Gerações’- Capítulo 24

Eduardo Fanecas (Geração 2098)

Acordou com a cabeça pesada. Ressaca…, pensou. Ergueu-se na cama vagarosamente, e então reparou na companhia. Foda-se!…, surpreendeu-se. Tapou-se instintivamente. Fiquei assim tão mal, ontem!? Não conhecia a companhia de cama. A situação não era completamente nova, mas soava assustadoramente única.

Eduardo Fanecas não era já o rapaz que se sentava no jardim a ler Platão, Einstein ou George Martin. E já não era também o descontrolado assassino que fora pouco depois da morte do pai. Não deixara de matar, não, mas modificara radicalmente o seu método. Agora, em vez de correr ou esconder-se ou fingir esta ou aquela situação, apenas se deixava engatar. Em vez de força ou rapidez, empregava o charme. Vestia-se a preceito, e caçava usando-se como isco. Era jovem e inteligente. Não era musculado, mas o seu corpo reflectia bem os seus 19 anos; magro mas firme, de pele clara e imaculada, ágil e hábil. E, com a prática a melhorar a sua aplicação destas novas armas, as presas vinham a ele como abelhas ao mel.

O novo método não trazia só facilidade no acesso às vítimas; também lhe duplicava o prazer… O prazer que obtinha com cada presa era agora primeiramente sexual. Depois do tempo bem passado juntos, deixava a vítima adormecer, sem que se apercebesse no que se tinha metido. E o que se seguia, dependia do comportamento da dita presa no dito cujo acto. Aqueles de quem gostara, matava rapidamente, poupando-os ao sofrimento. A piedade era também um novo factor para o Assassino Transparente; Eduardo crescera moralmente no último par de meses. Acalmara a raiva que o conduzia cegamente, e a compaixão, a ponderação e a empatia coexistiam agora com a sede de poder e de matança. Fanecas também crescera, no entanto, em crueldade para com aqueles que não gostava; pelo que os que o ofendiam, os que eram desinteressantes ou os que pura e simplesmente não o satisfaziam, tinham os piores destinos reservados. Neles criava e testava novas formas de tortura. E guardava-os em casa, raptados, para satisfazer as suas necessidades negras sem necessitar de mais vítimas. A sua consciência aconselhava-o agora a poupar ao máximo os inocentes das suas crueldades. Quanto mais tempo mantivesse alguém, mais pessoas poupava, e melhor se sentia consigo mesmo. Era por isso que mantinha as presas desagradáveis ali, na sua recém-adquirida casa, onde podia satisfazer todas as suas necessidades sem ser incomodado. Eduardo não era descuidado. E agora que se expunha um pouco mais no acto de caça, redobrava os cuidados quanto ao local da consumação do crime. Procurara casa por toda a cidade, e não encontrara nenhuma mais isolada que aquela.

Até àquele dia, no entanto, nenhuma companhia tinha posto pé em sua casa sem o propósito de se tornar vítima. E nenhuma saíra viva para contar a história. Rapazes ou raparigas, homens ou mulheres, tímidos ou fanfarrões, ricos ou pobres, simplórios ou extravagantes, Fanecas não tinha critérios de exclusão definidos. Estava no entanto definido que todos ali chegavam para o prazer carnal e todos partiam para debaixo da terra.

Até agora. A seu lado dormia um jovem rapaz incrivelmente parecido consigo. O cabelo escuro contrastava com a pele clara, e Eduardo Fanecas não se cansava de o olhar, enquanto dormia. A certa altura, acordou. Os olhos eram também negros como carvão, fortes mas doces. Por uma vez, sentiu uma impulsividade não para matar, mas para beijar; ou abraçar, ou simplesmente tocar. Não sentiu necessidade de matar. O porquê, não sabia… Nem o nome conhecia ao moço, quanto mais!…

Muito embora nada recordasse sobre o rapaz, sabia que este não era mais um trazido para a matança; os dias de caça eram longamente planeados e preparados, e aquele não era um desses dias. Tinha sido, portanto, a atracção ébria que conduzira a sua companhia até casa na noite anterior. Agora, olhavam-se longamente. O desejo fervilhava-lhe no peito, curioso com aquilo que perdera por ter esquecido a noite anterior. E a curiosidade, de sentir a experiência esquecida, falou mais alto que os medos e as vergonhas; a noite anterior repetiu-se, intensa e vigorosa, e Eduardo sentiu-se alto como nunca, leve como nunca, feliz como nunca.

Pela primeira vez, nesse dia, alguém saiu vivo daquela casa.

Brevemente, Capítulo 25

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