Miguel Castro (Geração 2012)
Miguel era polícia há dezassete anos, chefe há cinco, e os casos de atropelamento com fuga não eram raros. Quando de manhã lhe foi entregue o dossier, não se sentiu cativado pela pasmaceira da esquadra. Com vontade de arejar, Miguel tomou pessoalmente conta da ocorrência. Visitou o Hospital onde a atropelada Cristina se encontrava, e onde um grupo de amigos o esperava. Uma dessas amigas, Luísa, não parava nem de chorar nem de vomitar, desculpando-se com o «choque de ver a Cristina naquele estado». Cruzes! Saio eu para respirar, e o cheiro que me dão é vómito e velho mal-lavado. Depois de despachar a chorona, começou a questionar os outros: «Bem… O carro que atropelou a… Cristina, podem descrevê-lo?». Fernando Torres assumiu o papel de interlocutor: «Não era um carro, senhor agente. Era uma carrinha velha. Tinha a pintura riscada e lascada, ferrugem por todo o lado, amolgadelas… Era uma choça!» «Então e a matrícula, apontaram-na?» «Ah, quase me esquecia!… Não consegui ver toda a matrícula, mas julgo que começava por SX, ou qualquer coisa-X». Qualquer coisa-X… Isso vai ser facílimo de encontrar, pensou ironicamente. As perguntas continuaram, mas o humor do chefe Miguel não melhorou. Nem isso, nem a qualidade das respostas. Enfastiado, fez as habituais despedidas e deu as falsas esperanças da praxe. Depois, voltou à esquadra, e pôs dois dos seus agentes mais fraquinhos a investigar o caso.
Surpreendentemente, dois dias depois, voltaram ao seu gabinete com o caso resolvido! Estranhando, Miguel pediu a um deles que saísse e ao outro que se sentasse. Como é que estes bananas ineficientes resolveram esta complicação? «Admira-me que com uma informação tão vaga, tenham descoberto tão rapidamente a carrinha do atropelamento…» O agente respondeu prontamente: «Não foi é difícil, chefe… O homem anda descaradamente a passear aquela carripana podre por toda a cidade. Descobrimos que o condutor é um criminoso previamente indiciado por vários crimes, ainda que nunca tenha sido condenado. Eh, descobri-lo foi a parte fácil… A parte difícil foi vigiar o homem e não fazer nada.» O chefe franziu o sobrolho: «E não fizeram nada porquê?» O agente assumiu uma expressão assustada: «O homem estava armado até aos dentes… e nós éramos dois, com pouco com que nos defendermos.» Miguel olhou-o como quem mata. «Disseste bem: eram dois! A que paspalhos ando eu a dar emprego nesta esquadra?» «Chefe… não está a perceber. O homem é o Ambrósio Fangueiro. Dizem por aí que anda com granadas no bolso, para o caso de aparecer a bófia» «Agente… E não percebe que essas tretas têm como intuito, precisamente, assustar agentes medrosos!?» Haja paciência… «É só isso que tinha para me dizer? Que não o apanhou?» «Não, chefe… O que nos chamou à atenção foi o que o Ambrósio fez enquanto o vigiamos… Observamo-lo durante algumas horas, e apanhá-mo-lo a traficar droga, a roubar, a agredir, e conduzir embriagado. Isto em meia dúzia de horas!» O chefe Miguel acariciou o bigode calmamente. Por fim, respondeu: «Isto é demais para si e para o seu colega. Não voltarão a tocar neste dossier. Ele está agora nas minhas mãos. E entretanto, veja se ganha colhões e se põe fino. Não volto a aceitar uma decepção destas.» O homem olhou-o com pesar. «Vá, ponha-se a andar! Não percebeu a sua deixa?» Com uma pressa repentina, saiu aos trambolhões.
Quando se viu sozinho, Miguel acendeu um dos charutos que tinha na primeira gaveta da secretária e encheu os pulmões de fumo. Pensou, inspirou, pensou, expirou, puxou, deixou sair e finalmente terminou o charuto. Confortado pelo cheiro do fumo, pegou no telefone e marcou o número com calma. Do outro lado, alguém atendeu: «Estou sim?… Quem fala?» «Fanecas? É o Miguel. Onze horas na minha casa. Hoje! É urgente.»
Brevemente, Capítulo 9
Sem comentários:
Enviar um comentário
Reitero que não serão aceites comentários sem assinatura.