Carla Rossas (Geração 1969)
A sua primeira expressão foi de espanto. Mãe?… Aqui!?… Seguiu-se a raiva. Mas que raio lhe passou pela cabeça?… Mulher casada não se vende!!! Mas quando viu nascer as lágrimas em Feliciana, enrubesceu e deixou-se invadir pelas recém-chegadas vergonha e compaixão. Carla era filha única, e aos olhos da mãe era uma simples e boa moça, que trabalhava à noite servindo num café que lhe pagava a Universidade. Não duvidava que nunca voltaria a ser, para a mãe, essa menina. Serei agora só mais uma puta mentirosa?…
Nos dois dias que se seguiram, nenhuma falou. Ambas teriam certamente segredos ocultos, e nenhuma estava disposta a largá-los para obter os da outra. Ao terceiro dia, a teimosia foi finalmente quebrada por Feliciana. Mal chegara ao bar, desabafou: «Querida… Não quero saber o que te trouxe até aqui, só quero pedir-te que deixes este sítio. Eu juro amor, dou-te tudo o que precisares!» «Mãe… Desculpa, mas não é possível dares-me o que preciso. Eu preciso de independência, de uma vida minha. E para isso, preciso do meu dinheiro. Meu.» «Eu posso dar-te dinheiro!» «Não… Não me estás a ouvir? Quero que o meu curso seja meu, que o meu futuro seja meu, que a minha vida seja minha. Abandonarei esta casa no dia em que me formar, e puder exercer advocacia.» O ar esperançoso de Feliciana dissolveu-se numa expressão de desalento. «Não há mesmo nada que possa fazer que te tire daqui, pois não?» «Não.» A afirmação de Carla não deixara lugar a dúvidas. «Sais demasiado a mim…», disse-lhe a mãe. Abraçou-a ternamente, mas a desilusão não lhe desapareceu do rosto. Carla não questionou a mãe. No dia anterior tinha visitado o pai, e percebeu que o seu casamento estava por um fio. Tal como ela, a mãe procurava independência.
Na mesma noite em que falou com a mãe, Carla recebeu o seu cliente favorito. Carlos Lopes. Na flor dos seus 23 anos, Carlos não era um rapaz normal. Havia quem lhe chamasse louco, possuído, doente. Para Carla, era apenas um querido lobo solitário. Carlos nunca lhe tocara senão para a acariciar e afagar. Pagava-lhe para conversar! Carlos era culto, criativo, inteligente. Teria certamente um problema social grave, mas Carla gostava dele à sua maneira. Naquela noite, vinha extasiado! Depois de uma breve mas agradável conversa sobre arte, Carlos assumiu um semblante mais sério, ainda que sorridente. Depois, saiu o que Carla nunca imaginaria: «Carla… Amanhã é para mim um novo dia. Vou finalmente fazer o que gosto, ser feliz!» Inocente como sempre, Carlos assumiu o seu sorriso pateta. «Agora que viverei da minha música, terei a carteira mais-que-desafogada.» Voltou a olhá-la como quem esperava uma resposta. Face ao silêncio de Carla, concluiu: «Quero tirar-te desta vida. Vem viver comigo, Carla! Não consigo viver pensando que te estragas neste sítio. Este não é o teu lugar…». Carla olhou-o, espantada. Será que todo o mundo tirou o dia para me salvar?…
Brevemente, Capítulo 8
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