Cristiano Monteiro (Geração 2098)
Cristiano esperava ansiosamente o regresso de Ana. Era tarde. Tão tarde que era quase cedo, quase de manhã, hora de acordar. Enquanto esperou e desesperou, Cristiano matutou uma e outra vez nas informações que lhe haviam chegado pelo recém-levantado burburinho da cidade. Mário Rato comprara a famosa casa de alterne dos Fanecas, e pouco depois era assassinado o seu maior opositor, Ricardo Brás. Havia mil histórias sobre o assassinato, mas a única parte que não lhe saía da cabeça é que Ana, sua mulher, trabalhava naquele preciso momento para o mafioso, chulo e assassino Mário Rato. Os valores de Cristiano arrepiavam-se só de pensar no monte de esterco que era o chefe da Máfia Rato. Naquele momento, no entanto, era o medo que mais o fazia tremer. Selénio e Eduardo podiam ser loucos, como era próprio dos genes Fanecas, mas tinham uma exímia gestão do bar, mantendo toda a gente no seu lugar. Nessa altura, Cristiano sabia que Ana, bartender, nunca seria obrigada a fazer mais do que servir, sorrir e receber tanto dinheiro quanto conseguisse. Agora, nada era certo. Mário Rato metia-se em tudo que era crime, e não hesitaria em prostituir Ana contra-vontade, se isso lhe rendesse uns troquinhos extra.
Quando Ana chegou, a conversa foi curta. Cristiano ajoelhou-se perante a mulher e pediu-lhe que não o fizesse sofrer mais. Que abandonasse o emprego, porque com os Rato, a sua honra não estaria a salvo. Ana não se deixou levar: «Querido… Eu não vou deixar o meu emprego. Não o deixei pelos Fanecas, não o deixarei pelo Rato.» «Mas Ana… nós nem precisamos do dinheiro! Temos uma boa vida, acima da média até! Sabes bem que sei jogar na Bolsa, e fazer uns biscates chorudos como contabilista. A nossa fortuna multiplica-se a cada dia que passo na Bolsa.» «E tu sabes bem que para mim a Bolsa é, precisamente, um jogo. Num jogo tanto se ganha como se perde. Num emprego, não. As nossas filhas precisam de uma estabilidade que os teus joguinhos não podem oferecer. Não te forçarei a deixar a Bolsa, mas também não deixarei de servir no bar. Ponto final, fim da história». E assim terminou, abruptamente, uma discussão que Cristiano sabia, de antemão, que não ia ganhar. Não ficou mais descansado. Nessa noite, não dormiu. Rebolou para um lado e para o outro, tapou-se e destapou-se numa dança de lençóis que ora o gelavam, ora o fritavam. Quando se levantou, sentiu nas pernas o peso da noite, e nos olhos as picadas de sono. Aqueceu café e barrou uma torrada, enquanto no jornal da manhã o assunto era único: ‘ALT3RER investe em Portugal’. Nesse momento, Cristiano percebeu que a sua cidade havia sido escolhido como a próxima cidade-branca. Cristiano sabia que a ALT3RER funcionava com um regime de apoio da população. As denúncias do povo, que queriam a cidade limpa, eram a primeira fonte de informação dos agentes brancos. Pegou no telefone, e marcou o número que se exibia na televisão. Do outro lado, ouviu: «Bom dia, ligou para a linha da ALT3RER. Em que posso ajudar?». Falando baixo para não acordar Ana ou as miúdas, respondeu: «Bom dia, o meu nome é Cristiano. Primeiro que tudo, gostaria de financiar a vossa missão em Portugal. Apraz-me receber-vos, nestes tempos conturbados… E… bem, para além disso… tenho um mafioso a denunciar».
Por esta altura mal sabia o que aquela frase despoletaria…
Brevemente, Capítulo 12
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