sexta-feira, setembro 07, 2012

‘Gerações’- Capítulo 10

Carlos Lopes (Geração 1969)

Hoje começo uma nova vida. Carlos sabia o quão importante era estar ali, perante aquela fita vermelha bem esticada. Sabia o quanto significava ladear Cindy Smith, que segurava a grande tesoura. Mas enquanto olhos, cabeça e corpo se encontravam na Escola de Música, a mente estava na noite anterior. Ainda ouvia Carla Rossas recusar-se a viver consigo ou deixar a prostituição. Ainda a via, amável, a desculpar-se e explicar-se. Ainda a sentia, quente e húmida, naquela que tinha sido a sua primeira vez verdadeiramente juntos. Foi acordado pelos aplausos ao corte de fita, e apercebeu-se que deixara fugir uma lágrima matreira. Limpa que estava a fugitiva, cortada que estava a fita, era hora das apresentações na sala de espectáculos. Começou Cindy, do alto da sua ambição. Loira e bela, conseguiu com as suas poucas palavras pôr o público em pé, aplaudindo. Depois, discursou John Blacksmith, calma-, precisa- e solenemente. John era o arquétipo de relaxamento e simpatia. Espreitava curiosamente de trás dos óculos de armação preta, sem se preocupar em ajeitar o cabelo, despenteado desde que retirara o chapéu de palha que usava no exterior. Cindy, Carlos e John seriam os três professores na alegre escola de música de Cindy. Era, portanto, a vez de Carlos. Foi com dificuldade que soltou a língua, presa por natureza. Enrubesceu a cada palavra, do fundo da sua timidez esquizofrénica. Quando acabou o curto e atabalhoado discurso, sentiu um alívio intenso. Seguiu-se um concerto de piano de Cindy Smith, de quem ninguém tirava os olhos.

A música soltou-se-lhe dos dedos e entrou por Carlos adentro. Fechou os olhos para a absorver, mas quando os abriu estava noutro mundo. O rubro vestido de Cindy era agora a sua pele, tão vermelha como diabólica. Ao seu lado estava agora um majestoso falcão azul, em vez de Blacksmith. E no público, a maior variedade de animais olhava Cindy com uma expressão de fome. A música parou e Carlos pediu a Cindy para descansar um pouco, ali na sala. Cindy anuiu e saiu com os convidados de honra da inauguração. Preocupado, John Blacksmith tentou reconfortá-lo, mas Carlos rapidamente o despachou. Durante algum tempo, ouviu vozes e músicas, sopros e sussurros que sabia não serem reais. Controlou-se, suspirou, descansou. Algumas horas volvidas, sentiu-se de volta a si. Levantou-se e sentiu-se transientemente tonto. Ainda a medo, saiu da escola e começou a caminhada rumo a casa. Espreitou sobre o ombro e viu um vulto, a andar. Acelerou o passo e sentiu-o acelerar também. Não olhou para verificar. Num ápice, acelerou tanto quanto pôde e lançou-se numa corrida. Não correu para casa; correu em frente. Em frente, em frente e em frente. Correu, correu, correu, correu, sem parar, sem olhar, sem abrandar. Correu sem pensar e sem ouvir. Sem prestar atenção a nada. Correu, correu, correu. Correu, até cair

Brevemente, Capítulo 11

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