sexta-feira, julho 22, 2011

Coerência

Envolvidos na displicência reflexiva da rotina e dos hábitos animalescos, talvez tendamos a ver o Mundo como uma desorganização caótica sem as coerências que um pouco de reflexão evidencia.

Ainda que, certamente, a aleatoriedade e o Darwinismo tenham originado este Mundo como o conhecemos, e ainda que sem o Caos a Ordem não faça sentido, a verdade é que somos seres naturalmente arrumados mentalmente. Já na publicação anterior referi a necessidade de catalogação inerente à inteligência, lógica e raciocínio. Intuitivamente, analisamos e interpretamos cada som, cada imagem, cada cheiro. A esta análise  animalesca em nós exponenciada, segue-se a interpretação humanizante. A aplicação de uma coerência racional à situação torna a nossa resposta humana. Esta capacidade de negar o instinto por força de algo em nós maior, aprimora a interpretação e o controlo sobre as situações.

E embora poderosa, esta racionalização não é a única fonte de coerência disponível. Há algures outra fonte a brotar tais águas, solventes de imagens, sensações, sons e emoções,  que as une e associa, numa promiscuidade ordenada e estruturada. Mesmo que a racionalidade e o pensamento não nos apresentem ligações entre certos elementos, existe em nós uma coerência que gostosamente os associa. Uma música pode transtornar-nos ou fazer-nos felizes. Pode fazer-nos acordar para o dia ou para a vida, e pode deitar-nos abaixo e enterrar-nos bem fundo. Uma simples imagem pode acabar com uma relação, ou pode plantar uma amizade. O silêncio pode assustar-nos, confortar-nos ou ser-nos simplesmente indiferente.

No entanto, existirá sempre aquela música que nos amolece, e aquela que nos endurece. A que nos deixa desistir e a que nos agarra pelos colarinhos. Haverá sempre aquele filme e aquela paisagem e aquela pessoa que são sinal de férias, de perda ou de renascer de memórias. É a paisagem que lembra a música, a música que lembra o estado de espírito, ou o estado de espírito que nos invoca uma memória. Quem sabe que relações inesperadas estabeleceremos entre coisas que nada têm a ver umas com as outras? De onde vêm estas coerências ilógicas que vamos estabelecendo com o tempo? Porque raio me faz Uptown Girl dos Westlife lembrar o 11 de Setembro? Não sei. Não faz sentido. Mas a verdade é que suscita em mim as mesmas emoções e reacções. Uma coerência comportamental absolutamente irracional, mas ainda assim uma coerência.

Serei feliz se alguma vez perceber a mente humana. Nesse dia, partilharei convosco o conhecimento. Nesse dia terei eu mil anos, e não terei mais sobre que escrever.

1 comentário:

  1. Uma música pode transtornar-nos ou fazer-nos felizes. Pode fazer-nos acordar para o dia ou para a vida, e pode deitar-nos abaixo e enterrar-nos bem fundo.

    O que mais nos assusta é não ter uma explicação lógica para as coisas. É a pior coisa que pode acontecer. Não saber.

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