Nunca até hoje tinha reflectido sobre quem estaria no meu funeral. Provavelmente, porque nunca pensara que poderia olhar novamente para cada cara que aqui está hoje. É verdade: acordei mesmo no meu funeral. Vejo pavor. Vejo medo e excitação na cara de cada um que invadiu este lugar para me prestar, a mim ou aos meus, uma última homenagem. Muito do que vejo, surpreende-me. Já algumas vez pensaram em quem realmente sentirá a vossa falta? Em quem realmente estará lá no final? Olho, olho e volto a olhar. Há gente que não vejo. Ausências denotadas, e presenças arrebatadoramente surpreendentes.
Estou numa igreja, quem diria!?… A frieza normalmente atribuída aos Economistas como eu torna-nos laicos aos olhos do mundo. No meu caso, é bem verdade. Era essa a razão, aliás, pela qual não esperava estar aqui. No entanto, lá terá vencido o catolicismo de minha mulher e filhos, que terão procurado curar-me a heresia na hora do Enterro.
As pessoas, geladas pela minha estranha condição de morto-vivo, continuam imóveis. Estão juntas a suportar o choque, como há pouco suportavam, também juntas, a dor. Estão em grupos aos quais saberia, se quisesse, delinear fronteiras. Ao fundo, estão os meus eternos amigos do secundário. Ou, pelo menos, alguns deles. Um pouco mais à frente, os poucos resquícios das pessoas do Básico com quem mantivera contacto até ao fim da minha vida; há pessoas que viajam connosco do início ao fim… Do outro lado, um aglomerado de colegas antigos, universitários, seguidos dos meus amigos universitários. Um grupo heterogéneo, estranho, mas sempre grupo. À frente destes, os primeiros colegas de trabalho, e logo depois os mais recentes. Aqui e ali antigos clientes marcantes, conhecidos dos meus filhos e amigos da família, acumulados com o tempo. Colegas de ginásio, de viagem, amigos de amigos e pessoas que nunca tinha antes visto. Quem diria que em tão pouco tempo iria rever toda a minha vida nas caras e olhos de quem por aqui está! Há gente de todo o lado, desde os mais insignificantes campos e projectos de férias em que havia estado, ao mais importante prémio que recebera. Aparentemente, deixara uma marca por onde passava. Indubitavelmente, isso fazia-me feliz. No entanto, é nas ausências que o meu espírito tipicamente pessimista se foca. Faltam aqui peças do puzzle. Por que não estão aqui pessoas que considerava tão marcantes? Medo? Rotina trapaceira? Intrigas por resolver? Hum… Não morrerei novamente sem ter as respostas. Não partirei de vez sem estar em paz com toda a gente. Não mais terei medo de desperdiçar um segundo que seja para estar com os outros. Afinal de contas, agora sei que existe sempre vida, mesmo ‘depois’ da morte.
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