Ambrósio Fangueiro (Geração 2012)
Sentia estampado na cara o seu sorriso ébrio. Não o controlava, como não controlava o que quer que fosse naquele momento. Era o álcool quem ria por ele, quem falava por ele, quem agia por ele. E ele sabia-o, mas não o conseguia controlar. Por entre o efeito de arrasto e o chão a mover-se malandramente por baixo dos pés, Ambrósio distinguia as nuvens de fumo tabágico da Casa de Alterne que lhe entravam narinas adentro. Segurava-se à porta de onde saía, para não cair. Dava passos pequenos, talvez porque o álcool lhe prendesse os movimentos mais bruscos. Mais um passo para fora do quarto e eis que surge Marlene mais uma vez na sua frente. «Não disseste que tínhamos acabado por hoje, docinho?». Marlene Rossas respondeu com altivez: «Acabar acabamos, mas não me parece bem que vás de calças descidas e camisa aberta para o meio da rua…». Marlene voltou então a ajoelhar-se, mas desta vez subiu-lhe as calças, em vez de as descer. Desta vez apertou-lhe o cinto, e o botão e o fecho, como que numa inversão completa do que se passara atrás da porta a que agora se segurava. Voltou a rir-se sem saber porquê, e cambaleou levemente. Marlene apertava-lhe agora os botões da camisa e despedia-se com um beijo na testa.
Passo a passo, Fangueiro lá saiu do bar e lá chegou à sua carripana. O desafio seguinte era acertar com a chave na fechadura. E desta vez, no sentido literal das palavras… Depois de concluído esse quase-impossível desafio, sentou-se pesadamente na carrinha e ligou o motor após mais uma pequena batalha com a chave. Enquanto se preparava para seguir caminho até casa, do outro lado da cidade, pensou uma última vez em Marlene. Noite após noite Fangueiro voltava àquela casa, e noite após noite escolhia Marlene como companhia. Voltou a concentrar-se na carrinha, já de motor ligado e aquecido. Habituado a conduzir em estado de embriaguez carregada, Ambrósio Fangueiro sentia-se confiante em mais uma viagem bar-casa encoberta pelo blackout do dia seguinte. Desta vez, tal não viria a acontecer. O álcool seria demasiado para a condução, e excessivamente escasso para o blackout. Quando se deparou com a avenida de passeios cheios, lembrou-se que era Sábado e que esventrava por esta altura um centro de cidade repleto de jovens, solteirões de todas as idades, e criminosos à caça de um prémio pela vadiagem. Não se via um centímetro de passeio livre junto ao concorrido Tree Bar, e um grupo de também-ébrios jovens saltava e gritava no meio da estrada. Iludido pela lentidão de processos da embriaguez, Fangueiro não raciocinou a tempo de se desviar. Embateu no primeiro bêbedo e então guinou o volante em desespero, como que repentinamente acordado por um estrondo que berrava mais alto que a bebedeira. De olhos empenhadamente abertos ao máximo, viu a cara assustada de uma bela peã que lentamente virava a cabeça na sua direcção, consciente do atropelamento eminente. Foi com o pé esmagado contra o fraco travão que a observou saltar e ser brutalmente abalroada pela sua velha carripana. Tentou abrir mais os olhos, como quem tenta acordar de um pesadelo que não pode ser realidade… Não acordou. A perna que estilhaçou em seguida quase não importou. Tinha ainda presos na retina os olhos da peã que atropelara, quiçá matara. Não era a primeira vez que matava, mas era a primeira vez que o fazia sem o pretender. Embriagado em vergonha, olhou para trás e soltou o travão. Com prego a fundo no acelerador, fugiu tão depressa quanto pôde.
Brevemente, Capítulo 6
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