domingo, agosto 19, 2012

‘Gerações’– Capítulo 3

Feliciana Rossas (Geração 1969)

Estava uma noite gelada cá fora, e o interior quente e abafado do bar de alterne aqueceu Feliciana de cima a baixo. Entrou com um plano bem definido: ouvir tanto quanto pudesse dos mexericos de rameiras, clientes e bartenders para tão rápido quanto possível descortinar o ponto fraco de alguma das meninas de Tinoco. Sentou-se num dos luxuriosos sofás vermelhos e pediu uma bebida. Uma hora se passou e Feliciana observava com cuidado cada uma das meninas que por ali passavam. Eram 7 ao todo, mas duas delas tinham estado todo o tempo ocupadas com clientes nos respectivos quartos. Das 5 que pôde observar, ouvir e comentar com alguns dos clientes masculinos da casa, descobriu duas potenciais presas a quem se atirar. Uma das prostitutas era também uma reconhecida traficante de droga, que Feliciana poderia denunciar para a recambiar directamente para a choça, e a outra tinha um marido, um militar a trabalhar longe, que não sabia que a devota mulher se vendia naquela casa. Uma ameaça é mais que suficiente para pôr qualquer uma destas duas a andar daqui, pensou. Bem, é hora de escolher! Mais vale uma rameira na mão do que duas a voar. Como a experiência lhe dizia que os assuntos do coração eram sempre os pontos fracos das pessoas fracas, decidiu atacar a mulher do militar. Passou a meia-hora seguinte a recolher, discretamente, o máximo de informação que conseguia sobre a rapariga, e quando finalmente ela se livrou do cliente que satisfazia há já uma hora, tocou-lhe sugestivamente o mamilo e entrou-lhe no quarto. Tinha perfeita noção da única informação que lhe faltava para a poder ameaçar com veemência: o nome do marido. A partir daí, nada lhe custaria contactar o exército e pedir para com ele falar. Ou pelo menos a tonta da rameira havia de acreditar que ela poderia fazer isso… Sem palavras, começou a despir-lhe o corpete. «Devo dizer-te que sou uma mulher com necessidades… E o meu marido não tem dado bem conta do recado», disse Feliciana enquanto lhe acariciava as costas nuas. «Parece que temos algo em comum, então… O meu está bem longe, e todas as noites venho aqui reconfortar-me com os homenzarrões da cidade. Não é todos os dias, no entanto, que recebo uma mulher na minha cama…». Piscou-lhe o olho e beijou-a, começando a despi-la também. Feliciana acabou de despir-se sozinha, com rapidez, e atirou a companheira para a cama, ainda quente do cliente anterior. Enquanto a massajava, continuou a conversa, enquanto a puta fazia o seu trabalho exagerando cada gemido de prazer. Embora fossem falando entre tremores, arrepios e gemidos de prazer, trabalhos de língua e dedos cada-vez-mais-húmidos, Feliciana não conseguia extrair a informação que tanto precisava para tornar a sua ameaça convincente. No entanto, pareceu esquecer-se do assunto por um momento. Continuou a enrolar-se, a sentir o toque pele-com-pele, a dar prazer tanto quanto recebia. Usou naquela hora partes do corpo que nem se lembrava já que existiam. Pescoço, coxas, mãos… Aquela mulher sabia tocar-lhe! Que andara a fazer com António todo aquele tempo, repetindo rotinas noite após noite?… Cada vez mais se excitava com a perspectiva daquele emprego tomado, e foi no meio de mais um grito de prazer que pediu à sua companheira de cama que parasse de a estimular. Pediu-lhe então que fumasse consigo um cigarro, retomando a conversa uma vez mais. Puxou novamente a conversa para os maridos. Numa de tias sinceras, confessaram coisas que juraram mais ninguém saber. Entre segredos e segredinhos, conseguiu finalmente sacar o nome do homem! «Ah, mulher… Estava a ver que não te descaías!» «Desculpa?…» «Ouve, sou muito sincera quando te digo que realmente passámos hoje uma noite fantástica. Dou-te esse bónus… No entanto, não vim aqui hoje para obter prazer». «Quê?… De que é que estás a falar?». Foi então que lhe contou a sua história. Foi então que lhe disse a necessidade que tinha do trabalho, e foi então que a ameaçou, com suavidade. Feliciana regozijou-se ao ver o medo nos olhos da prostituta, que lhe chorou nos braços. Chorou mas rendeu-se, e era isso que lhe interessava. Fria como pedra, absorveu aquelas lágrimas como troféus de vitória. Pobre rapariga, e ainda pensa que me ralo com o que lhe acontece… Riu-se por dentro, em surdina. Disse à mulher que fosse de imediato falar com Tinoco, e que o chamasse ali ao quarto, onde ela esperaria pela sua chegada. Tinoco chegou pouco depois, e cumprimentou Feliciana: «Cruzes, mulher… Num dia consegues boicotar-me o negócio?» «Boicotar?… Pensei que to estava antes a melhorar…» «Isso espero. A ver vamos quanto dinheiro trazes ao papá.» «Quando posso começar?» «Por mim, começas agora! Estamos de casa cheia…». Feliciana sorriu. «Vamos a isso!»

Saiu daquele que doravante seria o seu quarto naquela casa, e passou os olhos orgulhosos pela sala comum do bar de alterne. O ambiente estava quente e impregnado com tabaco, que flutuava por todo o lado. Dirigiu-se a um dos sofás vermelhos onde pescaria o seu primeiro cliente. Dançava sobre o cliente na sala comum quando uma das novas colegas que ainda não conhecia abria finalmente a porta do seu quarto. Boquiaberta e ofegante, Feliciana sentiu lágrimas a vir-lhe aos olhos. Olhou a sua nova colega com olhos descrentes. Desesperada, sussurrou: «Carla?… Filha?…»

Brevemente, Capítulo 4

Sem comentários:

Enviar um comentário

Reitero que não serão aceites comentários sem assinatura.