Feliciana Rossas (Geração 1969)
Feliciana Rossas atingiu o ponto de ebulição. «Estou farta, António! Farta! Até à ponta dos cabelos… Já não posso contigo e com as tuas merdas!». Ultimamente, não passava um dia sem que questionasse a precipitada aceitação do pedido de casamento de António, feita há já 23 anos atrás. Feliciana tinha, na altura, uns meros 19 anos, mas a paixão louca da sua adolescência tinha-lhe cegado a vista, a perspicácia e a sensatez. Hoje, estava já bem alerta. «Diz-me, como raio me fui eu casar contigo? Que pãozinho sem sal me foste sair… Eu quero viver, António! Viver! Quero sair, quero divertir-me, quero ser eu! A minha vida sem adrenalina não tem sentido… E por cada proposta arrojada que te faça levo sempre um ‘não’ carrancudo como resposta?… Deves pensar que arranjas melhor que eu, só pode! Para me provocares desta maneira…». Feliciana não parava nem um segundo. Era disparo atrás de disparo, perante a incredulidade do marido que a olhava, apático. Quando finalmente Feliciana parou por um momento e o olhou nos olhos, António soltou debilmente palavras quase sussurradas: «Eu… Eu… Como poderia achar isso? Sabes bem que não seria capaz nem de conquistar uma velha de 80 anos, nos dias de hoje… E para além disso, seria impossível arranjar alguém melhor que tu… Dás cor ao meu dia, todos os dias». «Ah com que então dou-te cor? Pois bem me parecia que alguém ma andava a roubar, porque cá eu, vivo a preto e branco! Não fosse o amor que tenho pela nossa filha Carla, não fosse a vergonha de me separar de um homem, e verias como eu já estava a léguas de ti… A léguas, ouviste? Agora deixa-me sair que não tenho a tua vida!». Bateu com a porta e pensou: Na verdade, estou-me pouco marimbando para a vergonha… Agora que o Salazar se pôs na alheta, talvez esteja para breve uma torrente de divórcios, com as pessoas a perderem a inibição… Isso que aconteça, que tu vês a distância a que me ponho!
Determinada a pôr um pouco de pimenta na sua vida e a preparar-se para ter uma vida mais independente, Feliciana decidiu que arranjaria um emprego. Pouco teve de pensar para chegar à conclusão que podia oferecer-se para trabalhar na casa de meninas de Tinoco Fanecas. Afinal de contas, não só era uma mulher atraente, como estava aberta a todo o tipo de experiências ‘novas’… Foi imediatamente à casa de Tinoco. Que, na verdade, era no 2º andar do próprio edifício do bar de alterne. Tocou à campainha e esperou. Tinoco veio abrir a porta nu, despenteado e a coçar a cabeça. «Ulalah… Mas que bela maneira de começar o dia, hein? Vamos lá saber que é que a menina quer de mim?». Ainda que impressionada pela maneira como tinha sido recebida, Feliciana escondeu tanto quanto pôde o choque perante aquela recepção. Na verdade, sentiu logo a pimenta que tanto esperava subir-lhe ao nariz. Assim sendo, respondeu a condizer: «E que grande maneira de eu começar o meu…». Tinoco sorriu e mandou-a entrar. «Mal te conheço e já estou a gostar tanto de ti… Vamos lá saber a que devo esta deliciosa visita». Feliciana passou-lhe os dedos pela coxa despida e respondeu: «Digamos que… preciso de emprego. E estou convencida que poderei fazer felizes alguns dos teus clientes». «Disso não duvido… Mas… Bem, lamento dizê-lo, mas não estamos abertos à entrada de pessoal. Cada uma das minhas meninas tem um quarto na casa de alterne onde agradar aos seus clientes. Não quero que haja quartos com mais de uma funcionária. Só com muito rigor posso fazer daquelas rameiras uma mina de ouro. Para além disso, embora estejas bem conservada, vejo bem que já não és propriamente nova». «Tenho 42 anos, e pavor ao envelhecimento! Insulta-me como queiras, mas não me chames velha! Gastei uma pequena fortuna ao chato do meu marido em cirurgias plásticas». «Plásticas?… Estou a ver que não estou a lidar com raia miúda… Por que raio queres este emprego, diz-me lá?» «Quero apimentar o meu dia-a-dia. Quero ser independente e ter o meu dinheiro. Quero… sei lá, ser louca sem que ninguém me chateie! E aposto que seria uma mais-valia, todas as tuas meninas são novas de mais e parcas em experiência». «Com isso não te preocupes, que dou-lhes experiência quanto-baste… Como já disse sou um homem cauteloso. Não compro nada sem antes verificar a qualidade. Que dizes de irmos fazer um test-drive ali ao meu quarto?» «Prometes-me emprego se gostares da experiência?» «Prometo que mal tenha uma vaga, ela será tua». Feliciana olhou com olhos desconfiados, mas por alguma razão sentiu confiança naquele homem despido. Mudou a expressão facial de desconfiada para sensual, e de sensual para sexual. Tudo se seguiu com muito fervor, e, no final, Tinoco Fanecas prometeu a vaga a Feliciana. Como agradecimento e como forma de libertar o êxtase que ainda continha dentro de si, Feliciana deu um beijo na testa a Tinoco, vestiu-se a correr e saiu disparada do quarto. Determinada a conseguir o emprego o mais rapidamente possível, Feliciana saiu de casa do chulo com planos feitos para essa mesma noite: estava na hora de pôr uma das rameiras de Tinoco a andar dali para fora… Desse por onde desse. É escolher o alvo, e abater… Nada mais fácil neste mundo. Esta noite vai ser deveras interessante!…
Brevemente, Capítulo 2
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