quarta-feira, julho 18, 2012

O Pêndulo (Parte 0)

Hoje não é um dia como outro qualquer! Hoje é um bom dia. Saímos de casa pela manhã e entramos neste belo jipe descapotável, arrendado de propósito para o dia de aventura. Saímos bem cedo, e já o sol raiava, esplendoroso e brilhante como em qualquer bom dia de verão. Hoje é dia de percorrer estas terras, verdes e irregulares, pequenas colinas aqui e ali, um e outro lago oásico aqui e acolá, muita areia e planta rasa por todo o lado. Seguimos lentamente lado a lado com o imenso azul do mar, calmo e iluminado pela luz que hoje nos ilumina o dia. Não há sensação melhor que erguer os braços e sentir o ar em contra-resistência num descapotável em andamento! Então num dia quente como este… é como água abençoadamente descendo costas abaixo!

Parámos e tiramos a toalha de pique-nique. Os típicos quadrados vermelhos e brancos fazem-me lembrar uma camisa não-sei-já de quem. Dos sacos saem agora as sandes que preguiçosamente elegemos como almoço. A fome, ou vontade comer para ser mais preciso, assolara-nos bem cedo. Não devia passar ainda das onze horas e já queríamos repousar, ali à beira mar, respirando de perto a frescura das ondas que castigavam, lá em baixo, a base da ribanceira onde estendêramos a toalha. Como sempre, não poupávamos na bateria das máquinas. Para a prosperidade haveriam de ficar aquele tempo, aquele brilho, aquelas paisagens, aquele companheirismo, aquele momento! Duas máquinas circulavam pelas nossas quatro mãos direitas e pela mão esquerda da canhota do grupo. Quando as máquinas gritavam, já em desespero, por um pouco de sombra, decidimos dar-lhes descanso e aproveitar o descanso para nós também. Um a um, com o andar preguiçoso de quem está de férias, sentamo-nos na toalha larga e fina que não disfarçava as ervas e pedritas que sentíamos nas nádegas, nas mãos e nas costas de quem se havia deitado. Depois de uma espreguiçadela rápida e libertadora, abri a sandes e ouvi um estalar esquisito… Com o coração estrangulado pelo meu medo de alturas, olhei para o lado e vi a canhota de gasosa em punho, acabada de abrir. Aparentemente, a minha acrofobia falara mais alto que o estalar da lata. Dei a primeira dentada na sandes e olhei o horizonte. De olhos fixos no azul, desta vez senti definitivamente uma vibração. Aterrado, olhei os outros. Olhávamo-nos uns aos outros de olhos arregalados. Talvez fosse melhor recuar um pouco, para longe do precipício. Aparentemente, um pequeno tremor de terra surgira sorrateiramente e passara de imediato. Apesar da minha insistência, ficou decidido que estaríamos seguros ali. A Terra havia lá libertado a sua fúria naquela pequena tremidela… Eu não confiava. Passei todo o almoço alerta, como quem se prepara para correr. Felizmente, chegamos ao fim do almoço e o único castigo da Natureza era a onda crescente de calor que assentava naquela zona protegida. Decidimos fazer uma pequena sesta. Mesmo com os olhos fechados, vejo o sol através das pálpebras. Estou já naquele crepúsculo de sono, lusco-fusco entre acordado e adormecido, como que anestesiado pelo calor e pela refeição aconchegante.

Repentinamente, sinto-me solto. A terra treme e todos acordámos, assustados. Numa milésima de segundo, passa-se uma vida. Vejo terra, pedra, areia, saltar e tremer e voar. Sinto-me largado no nada, como que lançado numa queda livre. Olho para a frente e vejo a pedra rachar. Estamos a cair, a desmoronar-nos com esta ribanceira em direcção às pedras que sofrem os castigos do mar selvagem. Nada me prende, nada me segura e o meu instinto lança as minhas mãos para lá da racha da pedra. Enquanto as minhas pernas seguem a gravidade, as minhas mãos preparam-se para o momento em que os pés deixarão de ter apoio e todo eu serei esticado, puxado, testado até ao limite das minhas forças. Com as minhas pernas, cai-me a alma. Vem-me o coração à boca enquanto vejo quatro pedaços de mim, longe de porto seguro, caírem em câmara lenta. Ainda a queda agora começou, há uns breves centésimos de segundo, e já eu me sinto nesta posição há horas. Salve-se ou não o resto de mim, parte do meu ser morrerá aqui hoje. Dê por onde der, amanhã serei outro. Isto é… se houver amanhã.

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