domingo, outubro 28, 2012

‘Gerações’- Capítulo 18

Carlos Lopes (Geração 1969)

Afinal, lutara contra o mundo; não contra si… Afinal de contas, não se tratara de uma alucinação! Por uma vez que resistiu, por uma vez que se esmerou e superou, era mesmo perseguido… E acabou mesmo encarcerado… A desilusão assolou-o, e uma lágrima mais fugiu. Perdera a conta ao tempo. A cela era fria e húmida; escura… Sem a luz do dia para o orientar, não saberia dizer se ali estava há horas, dias ou semanas. Dormitara várias vezes, mas seria ingénuo pensar que se tinha passado tanto tempo quanto parecia ter passado. Já se conhecia; a si, à sua mente, e à sua tendência para o exagero. Naquilo que lhe parecia ter sido o dia anterior, recebeu uma visita de quem o prendera. Pedro era o seu nome, mas Senhor Agente era como devia ser tratado.

Pedro era agente da PIDE, e revelara-lhe a razão pela qual tinha sido preso. Ao que parece, sou um perigo para a sociedade… Quem diria!?, pensou ironicamente. Apercebeu-se que não tinha margem de manobra: Que poderei fazer para me ver livre deste sítio?… Se mudar o meu comportamento por estar aqui, concluem que sou um drogado que mudou por se ver privado dos seus vícios. Mas se não mudo, sou considerado maluco. Alguma destas conclusões os levará a soltar-me? Conheço a PIDE bem demais para ter esperança… Limpou a lágrima de frustração, e uma de tristeza substitui-a. Prefiro ser julgado por algo que sou do que por algo que não sou. Que me considerem maluco, drogado não sou! Assumiu uma expressão severa que  o escuro rapidamente demoveu.

Algum tempo depois, alguém lhe veio trazer uma refeição. Foi então que se apercebeu: Há quanto tempo não como? Não é possível que só esteja aqui há um dia!?… Comeu, apercebendo-se finalmente que estava com fome. Comeu, e esperou outra eternidade. Quando essa passou, veio outra refeição. Aí, fez um pedido ao guarda. «Por favor… deixe-me enviar uma carta! Por favor, deixe-me falar com alguém… Por favor!». Nada lhe foi respondido, mas algum tempo depois Pedro Rossas voltou a visitá-lo. Levou-o a uma sala de interrogatório, onde, desta primeira vez, nada fez senão falar-lhe. Perguntas, acusações, murros na mesa e zero conclusões. Zero congruência. Zero sentido. Quando acabou o interrogatório, Carlos pediu para enviar uma carta. Pedro permitiu que fosse enviada, desde que revistada pela PIDE.

Anuiu, e escreveu tudo o que lhe desceu do coração ao braço. Quando acabou a carta, entregou-a ao PIDE, que prontamente a leu. Foi esbofeteado com tanta força, que se sentiu cair da cadeira. «A sério?… A sério que…» – olhou-o com ar reprovador. «A próxima vez que quiseres escrever à Carla Rossas, experimenta não entregar a carta ao seu tio e padrinho, tarado!»

Carlos sentiu as bochechas corar e o coração saltar. Nunca mais voltaram a apenas falar naquela sala.

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